Eles devoram as casas das viúvas, enquanto
fingem fazer longas orações (Mc 12, 40)
11 de novembro de
2018.
Na liturgia deste domingo, a viúva está em evidência.
Conta-se a história da pobre viúva estrangeira que hospedou o profeta Elias,
numa grande seca. E a história da viúva pobrezinha que deu uma oferta no Templo e foi elogiada
por Jesus. Ela deu tudo o que tinha, e mesmo sendo tão pouco – duas moedinhas –
deu mais do que todo mundo. E no meio
desse elogio à viúva pobre, tem uma crítica muito forte aos mestres da Lei, os
fariseus estudados do tempo de Jesus. O que será tem uma coisa com a outra: a
viúva pobre com os fariseus sabidos?
Quando se fala de pobre na Bíblia, aparecem três grupos: a
viúva, o órfão e o estrangeiro. A viúva, perdendo o marido, perdeu sua referência
e sua segurança. O órfão, pela perda do pai ou da mãe, é a própria figura do
desamparo. O estrangeiro, migrante ou exilado, fora de sua terra e de sua
parentela, está longe de sua pátria e de sua cultura.
O povo de Deus nunca poderia se esquecer de suas raízes, de
sua história. Eles eram um povo de viúvas, órfãos e estrangeiros. Essa era a
sua condição na servidão do Egito ou no exílio da Babilônia. Famílias dizimadas
pelas guerras, povo deportado de sua terra pela pobreza ou pelos vencedores. Quando
o povo entrou na posse da terra
prometida, assumiu o compromisso de cuidar bem dos pobres e sofredores. Eles
mesmos tinham passado por essa condição de insegurança, desamparo e saudade de
sua terra. Como povo livre, assumiu o
compromisso de amparar a viúva, proteger o órfão e acolher o estrangeiro pobre.
Essa é a vocação de Israel, o povo de Deus.
O que Jesus encontrou no seu tempo? Um povo esquecido de sua
vocação. Uma sociedade onde a norma era o desamparo e o abandono dos doentes,
dos pobres e a marginalização dos
humildes. O que Jesus fez diante desse quadro tão doloroso? Em primeiro lugar, agiu de maneira diferente.
Nós o vemos, quase o tempo todo, ocupando-se dos doentes, cercado de famintos,
procurado pelos leprosos, cegos, pessoas com deficiência. Ele organiza sua
comunidade a partir dos pobres e marginalizados. Seus apóstolos são pescadores,
cobrador de impostos, gente simples. Em segundo lugar, Jesus prega que o Reino
de Deus é dos pobres, dos mansos, dos perseguidos. Anuncia que sua missão é cuidar deles: trazer
luz para os cegos, saúde para os doentes, liberdade para os oprimidos.
Em terceiro lugar,
Jesus corrige o que está errado. Ao lado de sua nova prática e de um
vigoroso ensinamento sobre a centralidade dos pequenos no Reino de Deus, Jesus denuncia
os que negam a cidadania dos pobres e os que tristemente os exploram. Nesse
nível, podemos entender melhor a palavra de hoje: “Eles devoram as casas das
viúvas, enquanto fingem fazer longas orações”. De quem Jesus está falando? Dos
mestres da lei, os fariseus estudados. Foi o que ele disse, depois de reclamar do
modo como viviam de ostentação e de busca de privilégios. Reclamou que eles gostavam de se sentar nos
primeiros lugares na sinagoga. Eles se tornaram fortes lideranças na vida
religiosa das comunidades. Assim, em vez de liderar a comunidade como espaço de
todos, a começar dos mais humildes, o fazia em benefício de seus interesses. As
comunidades cristãs, ao menos no início do cristianismo, eram formadas por
gente humilde. O apóstolo Tiago claramente nos diz isso, quando pergunta onde
estão os ricos e influentes na comunidade. Em nossas comunidades, há sempre o
risco de no centro não estarem mais os pobres e sofredores, mas os ricos e
influentes e seus interesses. E a comunidade acabar reforçando a desigualdade
social e a marginalização dos pobres presente na sociedade.
Guardando a mensagem
O povo de Deus foi formado por gente muito sofrida. Sua
maior referência é a memória que Deus os tirou da escravidão do Egito. Com o
salmo 145, o povo eleito celebrava a obra de Deus que protege o estrangeiro,
ampara o órfão e a viúva, mas confunde os caminhos dos maus. A comunidade de
Jesus anuncia o Reino de Deus dado aos pobres e sofredores. As comunidades
cristãs seguintes também foram formadas por gente humilde. Mas, sempre houve a
tentação de, à imitação das classes dominantes na sociedade, uma elite tomar a
liderança da comunidade, escanteando e esquecendo os pobres, como fizeram os
mestres da Lei no tempo de Jesus. Esse é o alerta do evangelho de hoje. Pior
ainda, quando, além de tomar o espaço dos pequeninos na comunidade, as
lideranças aproveitam-se deles, pela exploração econômica. Esse ensinamento de
Jesus é um incentivo para construirmos comunidades segundo o evangelho da viúva
e para nos pormos em alerta contra modelos segundo o evangelho dos fariseus
sabidos.
Eles devoram as casas das viúvas, enquanto
fingem fazer longas orações (Mc 12,40)
Rezando a palavra
Senhor Jesus,
Chamaste a atenção dos
discípulos para o modo como os mestres da Lei se comportavam, em sua liderança,
buscando prestígio, disputando privilégios e ostentando superioridade. Eles
apossavam-se do lugar dos humildes na comunidade, descaracterizando a vocação
do povo eleito de amparar a viúva, defender o órfão e acolher o estrangeiro
pobre. Fizeste uma denúncia muito séria contra eles: devoram a casa da viúva,
em nome da religião. Hás de nos perdoar, Senhor, se ficamos aplicando tuas
palavras ao que vemos hoje, em nome da fé. Dá-nos a graça, Senhor, de acolher teus
ensinamentos e construir famílias e comunidades cristãs onde os pequenos
estejam no centro de nossa atenção, especialmente as crianças, os doentes e os idosos. Seja
bendito o teu santo nome, hoje e sempre. Amém.
Vivendo a palavra
Leia o evangelho deste domingo, em sua Bíblia ( Marcos 12,
38-44) e compartilhe a Meditação com seus parentes e amigos.
Pe. João Carlos
Ribeiro – 11.10.2018