Pe. João Carlos Ribeiro - padrejcarlos@hotmail.com
É claro que não é apenas o aumento das
passagens que está em jogo. O aumento das passagens de ônibus é a cereja do
bolo. O bolo é a grande insatisfação
com a deficiência da infraestrutura nas cidades, comparando-as com os
investimentos nos grandes estádios construídos para a Copa das Confederações e
a Copa do Mundo FIFA. A indignação dos jovens vem de longe e vem se acumulando
há muito tempo, só estava esperando uma válvula de escape. Há um desencanto
histórico com os políticos e governantes, agravado pela corrupção,
pela impunidade e pelo retorno da inflação.
O certo é que as
manifestações de rua destes dias têm assustado a governos e à própria
população. Os cientistas sociais ainda estão procurando uma explicação razoável
para o fenômeno. Hoje, a maior parte da população vive nas cidades.
E os médios e grandes centros urbanos estão enfrentando sérios problemas de
mobilidade, tal como: engarrafamentos, congestionamentos, má qualidade das
calçadas e passarelas, além da evidente falta de investimento na qualidade dos
transportes públicos. Por outro lado, o nosso sistema econômico privilegia a
produção e o consumo, estimulando a aquisição de automóveis, que, aos milhares,
ingressam a cada dia nas já congestionadas ruas e avenidas, aumentando o
estresse no transito. Tudo isso somado às deficiências nas áreas da
saúde, da segurança, da cidadania, da habitação.
Outro dado que me parece interessante levar
em conta é que a emersão de milhões
de brasileiros para a classe média, nesses anos, aumentou a procura por serviços
que já eram precários e insuficientes. Vê-se que há mais gente nos aeroportos,
nos restaurantes, nos cinemas, nos shoppings. É a nova classe média ocupando o
seu espaço. Crescimento na frota de veículos com o baixo investimento em
transporte público, deficiências históricas nos serviços de saúde e
segurança... só estava faltando um ingrediente: a decepção com os estádios da
Copa que, não somente custaram uma fortuna aos cofres públicos, como também os
acessos a esses locais expuseram a desorganização e o colapso da mobilidade
urbana. No meu entender, esse foi o estopim dessas manifestações, que
rapidamente se alastraram pelas grandes cidades, sob convocação através das
redes sociais, num movimento que não atende partidos políticos, nem sindicatos,
nem qualquer organização institucional.
A grande maioria dos manifestantes deseja realizar os protestos em tom ordeiro e
respeitoso. E, nisso, têm o apoio da população e de governantes democráticos.
Infelizmente, há dois tipos de descontrole que preocupam, nesse momento: os
excessos da força policial na repressão aos protestantes e a ação de grupos
minoritários que descambam para o puro vandalismo, destruindo o patrimônio
público e ameaçando pessoas e instituições. A grande maioria dos participantes
repudia esse tipo de descontrole irracional.
E como tudo isso vai acabar? Em mais de uma passeata
mostrada na televisão e nos jornais, vi
esse cartaz “O gigante acordou”, um contraponto ao hino nacional que descreve o
Brasil como “gigante pela própria natureza”, e “deitado eternamente em berço
esplêndido”. “O Gigante Acordou”. Tudo indica que essa geração jovem que
estávamos achando um tanto descompromissada, distante das lutas populares, que
tinha pouca ideia dos tempos difíceis da
ditadura e da redemocratização, essa geração ganhou as ruas e deixou tudo em
crise: o circo da Copa, as máscaras dos senhores de plantão, a lógica do
sistema, e até as expressões religiosas alienadas. E como tudo isso vai acabar?
Ah, talvez esse seja apenas o início... Um novo Brasil cidadão pode
estar apenas começando.
O texto do Padre João Carlos tá me lembrando os bons tempos da Teologia da Libertação. A proposta era essa, uma igreja mais pé no chão, mais compromissada com os problemas do aqui, agora.
ResponderExcluir"Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças é só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois"
(O Sal da Terra, Beto Guedes)
Muito bom texto. Preocupo-me em imaginar como tudo isso vai parar. Mas, lembro-me que também fui jovem e também fui às ruas pelas "diretas já" e "impeachment de Collor". Preocupo-me com possiveis aproveitadores do episódio pra desastibilizar ainda mais o governo. Porém, sei que isso é uma preocupação de quem tem responsabilidade e cobra dos outros atitudes responsáveis. VIVA O NOVO BRASIL.
ResponderExcluirPerfeita reflexão sobre a atual situação do nosso Brasil!
ResponderExcluirConcordo 100 % do texto. Não sou vândalo, mas acredito que os governantes atuais precisam de algum tipo de violẽncia para valorizar a reivindicação. Infelizmente, o PT chegou dizendo que faria, e não fez. Continuo votando no partido, mas quero muito mais que já foi feito. Eu quero respeito aos bens públicos, incluindo os bens financeiros, que são nossos.
ResponderExcluirMarco Gomes