Foi em 1980. O governo militar  era comandado pelo General Figueiredo. Vivíamos um período de censura e  repressão. A ditadura na verdade esteve a serviço do nosso sistema excludente,  anterior mesmo ao regime. Naquele setembro, Pernambuco se viu no meio de uma  grande tensão. Pe. Vito Miracapillo,  pároco  da cidade de Ribeirão estava sob ameaça de expulsão do país. Tinha se negado a  celebrar missa de ação de graças do 7 de setembro, na hora e no dia marcados  pelo Prefeito. Um deputado Estadual do PDS cobrou do Ministério da Justiça a  expulsão do sacerdote, com base no Estatuto do Estrangeiro. As manchetes nos  jornais ganharam as ruas. Houve manifestações contra a expulsão em Palmares,  Ribeirão e Recife. Vigílias de oração, Missas, acompanhamento silencioso do  julgamento. Era o máximo de barulho que se podia fazer.
Eu era estudante de Teologia  nesse período. E vivi de perto todo o sofrimento e perplexidade da Igreja nesse  episódio. A decisão dos militares foi pela expulsão do Pe. Vito. Não ouviram as  explicações do padre. Não deram crédito ao bispo de Palmares, Dom Acácio e  menos ainda ao Bispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara. Logo Dom Hélder,  cujo nome, por mais de 20 anos, a imprensa esteve proibida de mencionar. Os  argumentos do advogado Pedro Eurico não demoveram a acusação de crime contra o  padre. 
O crime estava na breve  comunicação que o Pe. Vito tinha enviado ao Prefeito e à Câmara Municipal de  Ribeirão. O que estava escrito no bilhete: "Tendo recebido o convite para as  solenidades da "Semana da Pátria", faço cientes aos Excelentíssimos Senhores de  que não será celebrada a Missa de Ação e Graças no dia 07 e no dia 11, na forma  e no horário anunciados. Isto por vários motivos, entre os quais a "não efetiva  independência do povo", reduzido à condição de pedinte e desamparado em seus  direitos". Foi este o crime: constatar que o povo não estava independente  e não querer celebrar a Missa que o Prefeito marcou. O povo da cana e das casas  de taipa da periferia, que ele tão bem conhecia, vivia mesmo em condição de  pedinte e desamparado em seus direitos. Onde está o crime que esse profeta  praticou?
Como estudante estive em reuniões  onde se discutia o quê fazer e em celebrações onde se rezou pela solução do  problema. E com muitos dos meus colegas fui a Ribeirão para a missa de  despedida do Pe. Vito, na Matriz de Sant'Ana. Estava também no aeroporto,  quando, escoltado por militares, ele foi levado para a aeronave, consumando-se  a expulsão do país. Uns 15 anos depois, tive a sorte de visita-lo e passar uns  dias em sua companhia em Ândria, na Itália, onde era pároco. Continua zeloso,  bom padre, amado pelo seu rebanho, mas sempre cheio de saudades do Brasil. E  desejoso que a justiça fosse reparada. Há uns anos, recebeu autorização para  voltar ao país, como turista. Mas ele sabia, só a devolução do visto permanente  indicaria que o Governo reconhece a injustiça cometida. 
A menos de um ano de sua  expulsão, o telhado da Igreja de Ribeirão veio todo abaixo, sem nenhuma vítima.  A vítima já tinha sido o Pe. Vito. O General Figueiredo foi o último governante  militar e morreu 19 anos depois. O deputado acusador chegou a presidente da  Câmara Federal, e, nessa posição foi cassado sob a acusação de corrupção. E o  Pe. Vito Miracapillo acaba de retornar ao país para regularizar o seu visto  permanente e passar a limpo essa página violenta e vergonhosa de nossa  história. Seu retorno dá razão ao evangelho das bem-aventuranças: os profetas  foram sempre perseguidos. Os profetas.  
Pe. João Carlos Ribeiro 

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